Muitas biomoléculas na natureza apresentam quiralidade, isto é, uma propriedade em que uma possível versão espelhada de si mesmas não se ajusta quando em sobreposição.

O termo quiral vem da raiz grega “khéir” que siginifica mão. Cada uma das nossas mãos, direita e esquerda, são uma versão espelhada uma da outra, mas que não se encaixam quando sobrepostas. São estruturas quirais.

A quiralidade é uma característica importante, porque as moléculas quirais podem apresentar diferentes propriedades, dependendo de sua orientação espacial.

Isso indica que a orientação da disposição dos componentes químicos de uma molécula, tem influência no seu funcionamento quando em interação com outras moléculas.

Um par de moléculas com propriedades quirais são denominadas enantiômeros, duas versões que têm os mesmos componentes, mas arrumados com uma orientação invertida. São isômeros especulares, ou seja, moléculas espelhadas.

Essas moléculas podem ter propriedades físicas e químicas idênticas isoladamente, mas comportamentos diferentes em sistemas biológicos. Isso reflete nos efeitos da sua atividade quando interagem bioquimicamente no interior dos organismo vivos.

Entretanto nem todas moléculas quirais são enantiômeros, ou seja, nem todas as moléculas quirais possuem uma outra versão espelhada de sí mesmas. Não de forma natural.

A quiralidade, e consequentemente a existência de enantiômeros, é um conceito fundamentalmente de ordem química e molecular.

Recentemente, um grupo de biólogos alertou para os perigos a respeito da possibilidade de se produzir em laboratório organismos inteiros com propriedades quirais, com todas as suas estruturas moleculares invertidas em relação às mesmas formas de vida encontradas na natureza. Seriam potenciais organismos enantioméricos, atualmente ainda inexistentes. O alerta foi feito em um artigo publicado na Revista Science.

A vida espelhada ou o enantiômero de um organismo completo, poderia originar sérias implicações para os mecanismos de reconhecimento molecular do sistema imunológico, por exemplo.

Além disso um organismo dessa natureza poderia ficar invulnerável no ambiente, não teria predadores naturais e seria difícil de deter.

A capacidade de se produzir um microorganismo sintético espelhado baseado em um existente na natureza, ainda é uma mera possibilidade que talvez venha a se tornar realidade apenas dentro das próximas décadas.

Atualmente, a pesquisa com células sintéticas no âmbito das moléculas normais, não espelhadas, ainda está muito no início, sem qualquer indício de sucesso em se obter células autossustentáveis que possam se dividir, replicar e evoluir.

No campo das células espelho, embora o sucesso de tal empreitada seja ainda mais desafiador, a necessária prudência precisa ser enfatizada desde já, mesmo ante as primeiras idéias já aventadas sobre o assunto pelos cientistas.

Entretanto, apesar de especulativo no momento, os riscos potencialmente letais desse novo campo de pesquisa podem ser sem precedentes, o que requer, obrigatoriamente, uma abordagem que seja extremamanete cuidadosa desde sempre.

Um microorganismo espelho atuaria como uma espécie invasora em muitos ecossistemas. Isso poderia ser catastrófico.

Os perigos relacionados ao possível desenvolvimento dessa tecnologia para plantas, humanos e outros animais, enfim para toda a vida existente, são preocupantes e não podem ser negligenciados mesmo ainda no campo das suposições.

O coautor do artigo publicado na Revista Science Jonathan Jones, líder de grupo no The Sainsbury Laboratory em Norwich, Reino Unido, argumentou que, “o risco de algo ruim acontecer é baixo, mas as consequências de algo ruim acontecer são realmente terríveis”.

A quiralidade é uma das marcas registradas da vida na Terra. Ela é fundamental, pois as interações moleculares nos organismos vivos, são altamente específicas e dependem da orientação espacial das moléculas.

Muitas biomoléculas ocorrem em apenas uma de suas formas enantioméricas. O DNA e o RNA são feitos de D-nucleotídeos, e as proteínas em sua maioria são feitas de L-aminoácidos. A maioria dos açúcares são D-açúcares. Uma mudança nessa homogeneidade seria incompatível com a vida como a conhecemos.

O artigo da Science foi elaborado com base em um relatório técnico de 300 páginas divulgado pela J. Craig Venter Institute, organização sem fins lucrativos de pesquisa genômica, que detalhou a possível viabilidade e os potenciais riscos da vida espelhada, apesar de ser muito remota ainda a possiblidade do desenvolvimento de tal tecnologia. Pelo menos por enquanto.

Bibliografia

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Imagem da Capa – Foto de Edward Jenner – Pexels. Disponível em: https://www.pexels.com/pt-br/foto/maos-vidro-copo-laboratorio-4031439/